Terça-feira, 30 de Março de 2004
A noite passada fui passear no mar. Não fui nada: a noite passada não preguei olho por causa de uma tentativa de assalto ao carro da minha mulher. Segundo testemunhas, dois sujeitos, talvez vítimas dos cortes na cultura, transformaram a porta do veículo numa instalação digna da Tate Modern. Em consequência, sinto-me tão exausto que sou capaz de jurar ter visto o prof. Marcelo apresentar um livro de Saramago. Não vou a médicos, mas acho que em casos de alucinação o repouso é prioritário. Seja.
Eu sei que há uma sobreexposição da iniciativa: ele é o trailer na 2:, os debates na CNN, o apoio do prof. Marcelo, cinco cadernos do «Expresso» e a colecção de medalhas alusivas do «JN». Ainda assim, sinto-me na obrigação de publicitar esta organização da
Origem do Amor. Os resultados, vigiados pela entidade competente e pelo sr. Blix, serão revelados dia 1 de Abril. Se eu ganhar, é mentira.
E acrescentou: "A menos que Guterres tenha feito jurisprudência."
Cabo Verde também já subiu a município?
Segunda-feira, 29 de Março de 2004
Conheço apenas uma dúzia de países e, ao contrário da União Europeia, não vejo grandes possibilidades de alargamento. Enquanto democrata e fumador, tenho duas regras de viagem: não visito ditaduras nem lugares com leis (demasiado) cretinas. Infringi a primeira regra uma única (e espero que última) vez. A segunda tem adiado ad infinitum uma ida aos Estados Unidos e, ao que parece,
a partir de hoje inviabilizará o regresso à Irlanda. É pena: nunca experimentei um despertar tão feliz - é o termo - quanto em Galway, defronte para a baía, com um Camel nos pulmões e a chávena de café no parapeito da janela. Dez meses separam essa manhã desta opressão consentida, que não suscita manifestações ou vigílias.
Fica a cantiga, cantada entre fumo pelos frequentadores do pub de Cong, no miraculoso «The Quiet Man», que agora me apetece considerar o filme mais belo de sempre. E, dadas as circunstâncias, o mais nostálgico também. Silêncio, por favor:
«If you ever go across the sea to Ireland
Then maybe at the closing of your day
You will sit and watch the moon rise over Claddagh
And see the sun go down on Galway Bay»
Eu sei que trata do crepúsculo, e não do despertar. Nada mais exacto, aliás.
Sexta-feira, 26 de Março de 2004
Eu tenho um Saramago no quintal. Chama-se Ernesto, é um cágado de trinta centímetros e é tão parecido com o escritor que todas as manhãs me assusto ao vê-lo. Para Nobel, ao Ernesto só faltam os óculos, uma carreira literária derivativa e a capacidade de proferir maluquices sempre que lhe apontam um microfone (eu sei, porque já lhe apontei vários e a resposta é sempre um sábio silêncio).
Gosto muito do Ernesto, o que não significa que não goste do próprio Saramago. Gosto sim. Acho giro que uma relíquia estalinista mantenha, em 2004, as capacidades da locomoção e da fala: o Homem de Lindow, por exemplo, é mais velho, mas não sai do Museu Britânico e é sujeito com quem se torna puxado manter uma conversa decente.
Claro que Saramago também não diz coisa com coisa, mas, ocasionalmente, faz-nos pensar, pensar de facto. Quando ele diz "a democracia ocidental está ferida de morte.", nós pensamos "o homem é parvo". Quando ele pede "uma revolução das consciências", nós pensamos "o homem é doido." Quando ele garante que vivemos numa "plutocracia", que como todos sabem é um regime dominado pelo cão do Mickey, eu penso que é altura de oferecer um computador ao Ernesto e esperar pela respectiva obra. Não que o Ernesto não tenha já obrado - a Caminho é que ainda não publicou.
Quarta-feira, 24 de Março de 2004
De todos os que chegam ao Homem a Dias remetidos pelo Google, os prémios de "Pesquisa Mais Bizarra", de "Maior Disparidade Entre os Meios e os Fins" e de "Maior Desilusão na Óptica do Utilizador" vão, inquestionavelmente, para:
"
imagens das putas em timor leste"
A questão, obviamente, é a defesa da concorrência e o combate ao monopólio. Eu, se fosse
estes rapazes, tomaria cautela.
O noticiário da Sic passa uma breve entrevista com Sebastião Salgado, a partir do Hotel da Lapa. A tv está sem som, mas aposto que o fotógrafo discorre sobre a miséria do mundo, como habitualmente. Como habitualmente, vejo o sujeito e lembro-me da sentença de Millôr: "Pobre, enquadrado no ângulo certo, rende um dinheirão."
Terça-feira, 23 de Março de 2004
Sem comentários.
Question: Do you expect Israel to attempt to assassinate you?
Yassin: I will be very happy if that happens. I wish they had done it already - if they have the talent for it. The day in which I will die as a shahid [martyr] will be the happiest day of my life.
Os ex-estalinistas, neo-nazis e simples lunáticos que por aí "condenam" sem mais a morte do pobre velhinho entrevado, não o fazem por razões de ordem moral, que aliás lhes são estranhas. O problema é que eles sentem - muito legitimamente - a perda de um aliado, um parceiro de causa. Ou, no calão da quadrilha, um companheiro de luta. Quando, e se, Bin Laden for capturado, o sentimento desta gente será idêntico. Apenas terão algum pudor em confessá-lo. Os que tiverem, claro.
Segunda-feira, 22 de Março de 2004
Não fui ver «A paixão de Cristo». Em duas palavras, não gostei. Prefiro a Madonna.
O
Francisco escreve sobre a morte do supracitado.
E o
David Frum também (obrigado,
Miguel).
E aí está o
homem dos intermezzos mais longos e aleatórios da blogosfera pátria (a responsabilidade, ao que ele diz, é de "um primo" informático, que eu nunca vi e de cuja existência desconfio). Voltou, e não voltou sozinho: trouxe Churchill, Waugh (pai) e Gainsbourg, excelentes companhias para uma viagem no "pendular".
Não lamento a morte de psicopatas. Nem temo as consequências: quem escolhe um psicopata como guia espiritual não necessita de pretextos para alimentar o ódio. O ódio já lá estava. As consequências serão as habituais.
Sábado, 20 de Março de 2004
E a sra. Maria do Céu lá fez o seu discurso, no qual mencionou o "terrorismo de Estado" levado a cabo por Israel - o que, segundo o
«Público», "motivou o entusiástico apoio de uma jovem que, na fila da frente, estava vestida à árabe, com um cinto militar como os que são usados pelos mártires para transportar explosivos."
Seguiu-se-lhe um senhor da CGTP, que muito a propósito e sem se rir informou as massas de que "a liberdade foi conquistada há 30 anos e está bem sólida, e que o povo de Lisboa tem apego à paz." Ao mesmo tempo, ficamos a saber que o povo de Lisboa é constituído por apenas 5 mil criaturas, todas demasiado inseguras ou cobardes para proclamar individualmente a mais ou menos platónica devoção pelo terrorismo que não seja de Estado.
Felizmente, e ao que julgo saber, o Jorge Palma não chegou a cantar.
Na manif pelo Iraque de Saddam, há boas e más notícias. Primeiro as boas: sem electricidade nem palco, Jorge Palma não vai cantar. Agora as más: a actriz Maria do Céu Guerra vai ler um texto (com megafone a pilhas).
P.S.: O exemplo podia ser aproveitado para o Rock in Rio. Cortavam a electricidade, proibiam o palco, a Sra. Maria do Céu lia um texto, o pessoal fugia, aquilo acabava num instante e o perigo de acção terrorista seria reduzido ao mínimo. Isso é que era um autêntico festival pela paz.
Sexta-feira, 19 de Março de 2004
São esquerdistas sem consignação. É o blogue que melhor me insulta. Tem nova morada. Continuem, "pás", e não se esqueçam da manif pela paz. Ai, que as aspas saíram trocadas.
Todos os dias, vem aqui parar alguém que pesquisou "homem" no Google e deparou com 1.980.000 possibilidades. Pela preferência, muito obrigado.